Escrito por Entrevista de Renato Oliveira
UM CURSILHO É ALGO QUE SE VIVE, QUE SE SENTE, MAS NÃO SE CONSEGUE EXPLICAR
ConceicaoPonte1Maria da Conceição Carvalhido da Ponte, natural da Meadela, Viana do Castelo, Educadora de Infância de Profissão, é Cursihista deste 1998. Atualmente, é a Responsável Diocesana do Movimento dos Cursilhos de Cristandade. A propósito do Cursilho de Senhoras que decorreu na última semana, no Centro Pastoral Paulo VI, esteve à conversa com o Notícias de Viana sobre este movimento.

Há cristãos que, ouvindo falar nos Cursilhos de Cristandade, possivelmente não sabem exatamente o que isso significa. Que movimento é este?

Os Cursilhos de Cristandade são um movimento de Igreja que, mediante um método próprio, possibilita a vivência e a convivência do fundamental cristão, ajuda a descobrir e a realizar a vocação pessoal e torna possível a criação de núcleos de cristãos que vão fermentando de Evangelho os ambientes (na família, na profissão, na política, nos vários ambientes sociais). É um movimento evangelizador que tem um método próprio de atuar, o mesmo quer dizer, um procedimento que, empregando adequadamente determinados recursos e meios, lhe possibilita realizar a sua missão evangelizadora específica. Portanto, o método é o meio concreto pelo qual se desenvolve a estratégia do MCC e que se estrutura em três tempos: Pré-Cursilho, Cursilho e Pós-Cursilho que constituem um todo indivisível. O Pré-Cursilho é a forma organizada de selecionar pessoas e ambientes que necessitam de evangelização e da sua preparação.

Este Pré-Cursilho é feito pelas pessoas que já viveram a experiência de um Cursilho de Cristandade; o Cursilho é a forma eficaz de motivar as pessoas para que se decidam a viver o fundamental cristão, através de uma experiência vivida durante três dias (duração do Cursilho), possibilitando que a pessoa se encontre consigo mesma, com Cristo e com os outros, que descubra o amor incondicional de Deus e que o compartilhe com os outros e torne possível a transformação de ambientes à luz da Boa Nova do amor de Deus; já o Pós-Cursilho é a maneira normal de viver a fé em comunidade e de fermentar de Evangelho os ambientes. A sequência destes três tempos é a forma que tem o método do MCC de atuar eficazmente nas diversas realidades e circunstâncias da vida humana e nos diferentes ambientes da sociedade, como um instrumento eficaz de evangelização.

«OS TRÊS DIAS DO CURSILHO SÃO UMA EXPERIÊNCIA DO TABOR SEGUINDO-SE O 4.º DIA, QUE NÃO É O DIA A SEGUIR AO CURSILHO, MAS SIM TODOS OS DIAS DA VIDA ATÉ AO ENCONTRO DEFINITIVO COM DEUS»

Como surgiu o Movimento dos Cursilhos de Cristandade?

O Movimento dos Cursilhos de Cristandade nasceu em Palma de Maiorca na década de 1940. Contou com várias personalidades na sua génese, como o leigo Eduardo Bonnín, o Mons. Sebastião Gaya e o Bispo de Maiorca, D. Juan Hervás. Nasceu numa época muito difícil, pois vivia-se um período de Pós-Segunda Guerra Mundial e de Pós-Guerra Civil de Espanha (1936-1939), numa sociedade descristianizada onde o cristianismo era apenas social.

Neste contexto, em fevereiro de 1940, o Papa Pio XII dirigiu aos Párocos e Pregadores Quaresmais um discurso, no sentido de promoverem paroquialmente iniciativas evangélicas para cativarem os Jovens para a Igreja. Em 1941, aparece o Jovem Eduardo Bonnín, a discursar numa Assembleia Paroquial, sobre “a identificação dos ambientes e a influência das pessoas na sua transformação”. Eduardo Bonnín, pelas suas grandes capacidades intelectuais e espirituais e especialmente pelo seu grande espírito de líder, foi convidado a fazer parte da Direção da Ação Católica Juvenil de Palma de Maiorca. A partir da Juventude da Ação Católica, foi pensada uma Peregrinação Nacional de jovens a Santiago de Compostela, idealizando-se para a sua preparação e dinamização uns cursos de “Chefes de Peregrinos” com a duração de uma semana completa, como preparação para a fé consciente e entusiasta compatível com o espírito da peregrinação. É nesta qualidade que Bonnín é convidado a participar no 2º. Curso de Chefes de Peregrinos.

O jovem Bonnín, vivendo intensamente este Curso, ficou inquieto apercebendo-se de que, aperfeiçoando o programa, poderia ser esta uma resposta inovadora de evangelização, a partir do qual fez um trabalho escrito com o tema “Estudo do Ambiente”, génese do Movimento dos Cursilhos de Cristandade.

E em perfeita consonância com alguns companheiros mais credenciados, Bonnín adotou todo o programa do Curso de Chefes de Peregrinos, considerando-o já não com o objetivo da Peregrinação, mas com o objetivo de fermentar os ambientes de cristianismo, os ambientes da vida social, profissional e política, dirigindo-o a pessoas de diferentes níveis culturais, com fé ou mesmo descrentes. Dá-se então uma reestruturação dos cursos: de uma semana de duração passam a 3 dias, com tónica na evangelização e no kerigma.

É então que um jovem sacerdote, responsável pela Pastoral Universitária de Maiorca, Monsenhor Sebastian Gayá, se torna um ferrenho adepto deste método e contribui, junto com Bonnín, para a expansão entusiástica dos Cursilhos.

E, assim, acontece a experiência do 1.º Cursilho de Cristandade da História, de 20 a 23 de agosto de 1944 em Palma de Maiorca, já com as modificações existentes hoje e preparadas por Eduardo Bonnín, com a duração de três dias e três noites, daqui a origem do nome “Cursilho” (pequeno curso), pelo facto de Bonnín ter reduzido a sua duração, tendo sido Eduardo Bonnín o Coordenador do 1.º Cursilho e o Bispo de Maiorca,“o mais novo Bispo do Episcopado Espanhol”, D.Juan Hervás, o Diretor Espiritual.

É habitual dizer-se que só se pode saber o que é um Cursilho, fazendo-o. Concorda com esta ideia? Não é possível descrever um Cursilho?

Sim, é exatamente isso: um Cursilho não se pode definir. No entanto, é possível descrevê-lo como um método que gera um movimento, despertando-nos e capacitando-nos a criar núcleos de cristãos que prossigam levando aos seus vários ambientes os critérios e valores do Evangelho. É um tempo forte com a duração de três dias, com uma dinâmica própria, onde um grupo de cristãos, leigos e sacerdotes que já viveram a experiência de um Cursilho, testemunham a sua caminhada de fé de uma forma vivencial e comunitária proclamando jubilosamente a Boa Nova do Amor de Deus aos participantes. Mas isto que acabo de dizer é a metodologia usada durante o Cursilho e não define o que é um Cursilho. Porque o Cursilho é muito mais do que isto, é uma experiência profunda de fé, de transformação pessoal e religiosa de cada um/uma. É algo que se vive, que se sente, mas não se consegue explicar, porque trata-se de uma vivência pessoal de uma experiência de ENCONTRO consigo mesmo, no mais íntimo do seu coração, para se encontrar com a Verdade que é Deus e saborear a melhor notícia: que Deus, por Cristo, nos ama! É a experiência do Tabor… é um subir à Montanha!

Ora, não é possível descrever a beleza e o encanto deste ENCONTRO com Cristo, onde cada um (homem ou mulher) se sente agarrado pela Graça de Deus! Cada um/uma vive-O, saboreia-O, sente-O de maneira diferente…. sem o conseguir definir! Só mesmo fazendo a experiência! A organização humana, material e toda a dinâmica utilizada nos três dias são meios/estratégias que contribuem e proporcionam o verdadeiro ENCONTRO da pessoa com DEUS! Alguém dizia: “A gente entra para o Cursilho sem querer entrar e sai sem querer sair”. É mesmo assim, é um Encontro que marca e que transforma a pessoa! Só dá para saber realmente o que é um Cursilho, quando se vive intensamente esta experiência de Deus! Fica um desafio para quem ainda não a fez: “que a queira fazer” e ficará a saber o que é viver um Cursilho!

O que é que se pede a um Cursilhista no contexto atual?

Quem faz um Cursilho de Cristandade inicia uma caminhada para toda a vida. Já dissemos que os três dias do Cursilho são uma experiência do Tabor seguindo-se o 4.º Dia, que não é o dia a seguir ao Cursilho, mas sim todos os dias da vida até ao encontro definitivo com Deus na eternidade. Ora, o 4.º Dia é a consequência desta experiência de ENCONTRO com Deus, é o descer do Tabor, da montanha para a planície da vida quotidiana num desafio muito grande: ser fiel no Amor. É um ficar com Ele para sempre e fazer o Seu anúncio àqueles que ainda não O encontraram! É isto que se espera de um Cursilhista no seu 4.º Dia, que anuncie com a mesma fé e entusiasmo este Senhor que encontrou no Cursilho e pelo qual foi tocado como fez a Samaritana depois de se encontrar com o Senhor ou como Maria Madalena em manhã de Ressurreição: “Eu vi O Senhor”, contando o que viu e ouviu!

É este testemunho de fé que se espera do Cursilhista no seu “metro quadrado”, ou seja, no ambiente onde trabalha, onde vive, onde convive ou se diverte… é neste “metro quadrado” que o Cursilhista deve ser agente de um ambiente saudável, sendo dinamizador de outros ambientes, propagando como fermento ao longo dos outros “metros quadrados” este ambiente saudável, que leve aos outros o Cristo que encontrou no Cursilho, tornando-se próximo dos próximos: dos amigos, dos conhecidos, dos companheiros de estudo e de trabalho.

O método de evangelização dos Cursilhos nasceu precisamente deste fervoroso desejo de amizade com Deus, da qual brota a amizade com os irmãos. Desde o início se compreendeu que só no âmbito de relacionamentos de amizade autêntica era possível preparar e acompanhar as pessoas no seu caminho, um caminho que parte da conversão, passa pela descoberta da beleza de uma vida levada na graça de Deus, e chega até à alegria de se tornar apóstolo na vida diária incentivando cada um a encaixar a “Alegria do Evangelho” na sua vida. O que se pretende é criar entusiásticos evangelizadores no “seu metro quadrado”, transformando desse modo os ambientes, como nos lembrou o Papa João Paulo II em Ultreia Mundial: “O Vosso Movimento pede-vos que sejais fermento na massa do mundo… atuando no mundo”; “indo sempre mais além”e tendo a coragem de “chegar a todas as periferias”, como nos pediu o Papa Francisco na Ultreia Europeia.

De que forma é que a Conceição, em concreto, procura assumir o seu compromisso na sua vida quotidiana?

Esta questão é provocadora… desafiadora! Mas claro, que vou responder com a maior naturalidade e sinceridade!

No encerramento do Cursilho, o Sr. Bispo, evocando o nome de cada um, diz: “Cristo conta contigo” e cada um responde com convicção e entusiasmo: “E eu com a Sua Graça”. É isto o que Cristo me pede: que eu seja as Suas mãos, os Seus pés, a Sua boca, o Seu coração, nos meus ambientes! É este o meu compromisso com Cristo, não por ser “Cursilhista” mas por ser cristã. Sem dúvida alguma que o Cursilho me tornou melhor cristã, mais valente e decidida no meu testemunho de vida cristã; mais responsável e mais consciente do meu ser Igreja e da minha missão na Igreja e no Mundo! É este o meu compromisso para com a Igreja e para com o Mundo: “estar ao serviço de…” e, com a graça de Deus, tento ser fiel a este compromisso, através de uma vida atenta às necessidades dos que me rodeiam; tendo uma vida de oração, de renúncias e de empenhamento na minha ação apostólica na Diocese e na Paróquia e pelo testemunho de vida no meu “metro quadrado”, procurando sempre fazer a “diferença”, não porque sou melhor do que ninguém, mas para que, pelo meu agir, outros cheguem até Deus.

Em suma, a partir do meu Cursilho peguei no arado e jamais olhei para trás, procurando ser coerente, perseverante e fiel ao compromisso que tenho com Cristo, porque Ele… com a Sua graça, nunca me falta!

A nossa Diocese celebra este ano quarenta anos de existência. Consegue identificar os grandes protagonistas deste Movimento ao longo destes anos? Quantos Cursilhistas existem atualmente em Viana?

Não vou referir nomes porque muitos foram os grandes protagonistas do Movimento dos Cursilhos de Cristandade na nossa Diocese ao longo destes 40 anos. Refiro-me, contudo, sem dúvida, aos anteriores secretariados do MCC desta Diocese, pela forma entusiástica e convicta do seu trabalho pelo movimento expandindo-o sem nunca descurarem a fidelidade ao carisma fundacional do Movimento; lembro muitos sacerdotes e dirigentes, uns que já partiram para a Casa do Pai e muitos outros que ainda peregrinam connosco, pela sua disponibilidade e generosidade de vida para com o MCC; lembro todos os Cursilhistas que, com o seu entusiasmo e testemunho de vida, atraíram outros para Cristo e a ultima palavra, não a menos importante, vai para o nosso Bispo e os seus antecessores que passaram por esta Diocese, que sempre apoiaram este ConceicaoPonte2movimento quer pela presença quer pelas palavras de coragem, de entusiasmo e de convicção da importância e necessidade deste Movimento de Evangelização. A todos e a cada um na medida da sua disponibilidade e entrega, um reconhecido Bem-Haja em Deus!

Nestes 40 anos de existência da nossa Diocese, realizaram-se 150 Cursilhos (77 de Homens e 73 de Mulheres) fazendo um total de 4.853 de pessoas que fizeram a experiência de um Cursilho de Cristandade. E porque muitos já terminaram o seu 4.º Dia, encontrando-se já na Casa do Pai, existem atualmente na nossa Diocese 3.889 Cursilhistas.

«O QUE FAZER MAIS? TALVEZ COMBATER ALGUNS PRECONCEITOS QUE EXISTEM EM RELAÇÃO A ESTE MOVIMENTO E QUE NÃO TÊM RAZÃO DE SER»

Sente que este movimento é devidamente valorizado por leigos e sacerdotes? O que se pode fazer mais?

Já vimos que o MCC, pelos seus bons frutos, é um Movimento que foi aprovado pela Igreja tendo em conta a sua finalidade e importância na Evangelização dos ambientes/pessoas e como tal, é um Movimento em movimento, como muitos outros Movimentos da Igreja, em que na sua essência está a inspiração do Espírito Santo, cada qual com o seu carisma específico, mas caminhando para a mesma meta.

Os Bispos Católicos, aquando da celebração dos 50 anos do MCC em Portugal, reconheceram em Nota Pastoral a necessidade do MCC na Evangelização que passo a citar “não podemos deixar de ter presente os movimentos laicais que, na Igreja, mais se dedicam à evangelização e, entre eles, o Movimento dos Cursilhos de Cristandade, com o lugar que lhe compete e a experiência evangelizadora de que dão testemunho ao longo de 50 anos”.O Papa Francisco, em 2015, na Ultreia Europeia dos 70 anos de difusão do Movimento no mundo, frisou que: “o ardente desejo de amizade com Deus dos Cursilhos ajudou milhares de pessoas em todo o mundo a crescer na vida de fé ”.

Muitos de nós, leigos e sacerdotes, somos testemunhas disto mesmo, do valor deste Movimento na Igreja e no mundo: quantos Homens e Mulheres da nossa Diocese hoje trabalham ativamente em Igreja e são testemunho de Fé nos seus ambientes depois de terem passado por um Cursilho de Cristandade! Com certeza que muitos outros ainda não conseguiram chegar aqui! Nem tão pouco reconhecer a necessidade e importância deste Movimento e a sua atualidade na evangelização tão necessária nos mais diversos ambientes da nossa sociedade.

O que fazer mais? Talvez combater alguns preconceitos que existem em relação a este Movimento e que não têm razão de ser e pedir ao Espírito Santo que ilumine todos aqueles que, fazendo parte da Igreja, ainda não tiveram a graça de descobrir a verdadeira finalidade deste Movimento, reconhecendo-o como obra do Espírito Santo, desde o início até á realidade atual e, como tal, um instrumento necessário e precioso de evangelização para a mundo e para a edificação da Igreja como nos apelou o Papa Francisco em Ultreia Europeia: “apelo à renovação do empenho evangelizador do Movimento dos Cursilhos de Cristandade que vivem uma hora de grande atualidade”!

Entrevista de Renato Oliveira

Ler aqui a entrevista no Jornal Notícias de Viana: